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Não Estou Pensando em Nada
Não estou pensando em nada
E essa coisa central, que é coisa nenhuma,
É-me agradável como o ar da noite,
Fresco em contraste com o verão quente do dia,
Não estou pensando em nada, e que bom!
Pensar em nada
É ter a alma própria e inteira.
Pensar em nada
É viver intimamente
O fluxo e o refluxo da vida...
Não estou pensando em nada.
E como se me tivesse encostado mal.
Uma dor nas costas, ou num lado das costas,
Há um amargo de boca na minha alma:
É que, no fim de contas,
Não estou pensando em nada,
Mas realmente em nada,
Em nada...
Álvaro de Campos, in "Poemas"
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Estou Cansado
Estou cansado, é claro,
Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansado.
De que estou cansado, não sei:
De nada me serviria sabê-lo,
Pois o cansaço fica na mesma.
A ferida dói como dói
E não em função da causa que a produziu.
Sim, estou cansado,
E um pouco sorridente
De o cansaço ser só isto —
Uma vontade de sono no corpo,
Um desejo de não pensar na alma,
E por cima de tudo uma transparência lúcida
Do entendimento retrospectivo...
E a luxúria única de não ter já esperanças?
Sou inteligente; eis tudo.
Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto,
E há um certo prazer até no cansaço que isto nos dá,
Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa.
Álvaro de Campos, in "Poemas"
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Estou Tonto
Estou tonto,
Tonto de tanto dormir ou de tanto pensar,
Ou de ambas as coisas.
O que sei é que estou tonto
E não sei bem se me devo levantar da cadeira
Ou como me levantar dela.
Fiquemos nisto: estou tonto.
Afinal
Que vida fiz eu da vida?
Nada.
Tudo interstícios,
Tudo aproximações,
Tudo função do irregular e do absurdo,
Tudo nada.
É por isso que estou tonto ...
Agora
Todas as manhãs me levanto
Tonto ...
Sim, verdadeiramente tonto...
Sem saber em mim e meu nome,
Sem saber onde estou,
Sem saber o que fui,
Sem saber nada.
Mas se isto é assim, é assim.
Deixo-me estar na cadeira,
Estou tonto.
Bem, estou tonto.
Fico sentado
E tonto,
Sim, tonto,
Tonto...
Tonto.
Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa
// Consultar versos e eventuais rimas
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Um Dia de Chuva
Um dia de chuva é tão belo como um dia de sol.
Ambos existem; cada um como é.
Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
Heterónimo de Fernando Pessoa
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Pergunto-te Onde se Acha a Minha Vida
Pergunto-te onde se acha a minha vida.
Em que dia fui eu. Que hora existiu formada
de uma verdade minha bem possuída.
Vão-se as minhas perguntas aos depósitos do nada.
E a quem é que pergunto? Em quem penso, iludida
por esperanças hereditárias? E de cada
pergunta minha vai nascendo a sombra imensa
que envolve a posição dos olhos de quem pensa.
Já não sei mais a diferença
de ti, de mim, da coisa perguntada,
do silêncio da coisa irrespondida.
Cecília Meireles, in 'Poemas (1942-1959)'
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