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    Se eu morrer de manhã


    abre a janela devagar


    e olha com rigor o dia que não tenho.



    Não me lamentes. Eu não me entristeço:


    ter tido a morte é mais do que mereço


    se nem conheço a noite de que venho.



    Deixa entrar pela casa um pouco de ar


    e um pedaço de céu


    - o único que sei.



    Talvez um pássaro me estenda a asa


    que não saber voar


    foi sempre a minha lei.



    Não busques o meu hálito no espelho.


    Não chames o meu nome que eu não venho


    e do mistério nada te direi.



    Diz que não estou se alguém bater à porta.


    Deixa que eu faça o meu papel de morta


    pois não estar é da morte quanto sei.

     

     

     

    Rosa Lobato Faria


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    Nua, mas para o amor não cabe o pejo


    Na minha a sua boca eu comprimia.


    E, em frêmitos carnais, ela dizia:


    – Mais abaixo, meu bem, quero o teu beijo!



    Na inconsciência bruta do meu desejo


    Fremente, a minha boca obedecia,


    E os seus seios, tão rígidos mordia,


    Fazendo-a arrepiar em doce arpejo.



    Em suspiros de gozos infinitos


    Disse-me ela, ainda quase em grito:


    – Mais abaixo, meu bem! – num frenesi.



    No seu ventre pousei a minha boca,


    – Mais abaixo, meu bem! – disse ela, louca,


    Moralistas, perdoai! Obedeci...

     

     

     

    Olavo Bilac


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    Foste o beijo melhor da minha vida,


    ou talvez o pior...Glória e tormento,


    contigo à luz subi do firmamento,


    contigo fui pela infernal descida!



    Morreste, e o meu desejo não te olvida:


    queimas-me o sangue, enches-me o pensamento,


    e do teu gosto amargo me alimento,


    e rolo-te na boca malferida.



    Beijo extremo, meu prêmio e meu castigo,


    batismo e extrema-unção, naquele instante


    por que, feliz, eu não morri contigo?



    Sinto-me o ardor, e o crepitar te escuto,


    beijo divino! e anseio delirante,


    na perpétua saudade de um minuto...

     

     

    Olavo Bilac


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    Ora ( direis ) ouvir estrelas!


    Certo, perdeste o senso!


    E eu vos direi, no entanto


    Que, para ouví-las,


    muitas vezes desperto


    E abro as janelas, pálido de espanto



    E conversamos toda a noite,


    enquanto a Via-Láctea, como um pálio aberto,


    Cintila.


    E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,


    Inda as procuro pelo céu deserto.



    Direis agora: "Tresloucado amigo!


    Que conversas com elas?


    Que sentido tem o que dizem,


    quando estão contigo? "



    E eu vos direi:


    "Amai para entendê-las!


    Pois só quem ama pode ter ouvido


    Capaz de ouvir e e de entender estrelas

     

     

    Olavo Bilac


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  • assim, amor, é que eu gosto de ti,


    tal como te vestes


    e como arranjas


    os cabelos e como


    a tua boca sorri,


    ágil como a água


    da fonte sobre as pedras puras,


    é assim que te quero, amada,


    Ao pão não peço que me ensine,


    mas antes que não me falte


    em cada dia que passa.


    Da luz nada sei, nem donde


    vem nem para onde vai,


    apenas quero que a luz alumie,


    e também não peço à noite explicações,


    espero-a e envolve-me,


    e assim tu pão e luz


    e sombra és.


    Chegastes à minha vida


    com o que trazias,


    feita


    de luz e pão e sombra, eu te esperava,


    e é assim que preciso de ti,


    assim que te amo,


    e os que amanhã quiserem ouvir


    o que não lhes direi, que o leiam aqui


    e retrocedam hoje porque é cedo


    para tais argumentos.


    Amanhã dar-lhes-emos apenas


    uma folha da árvore do nosso amor, uma folha


    que há de cair sobre a terra


    como se a tivessem produzido os nosso lábios,


    como um beijo caído


    das nossas alturas invencíveis


    para mostrar o fogo e a ternura


    de um amor verdadeiro.

     

     

    Pablo Neruda )

     


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