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    Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,

     A essa hora dos mágicos cansaços,

     Quando a noite de manso se avizinha,

     E me prendesses toda nos teus braços...

     Quando me lembra: esse sabor que tinha

     A tua boca... o eco dos teus passos...

     O teu riso de fonte... os teus abraços...

     Os teus beijos... a tua mão na minha... Se tu viesses quando, linda e louca,

     Traça as linhas dulcíssimas dum beijo

     E é de seda vermelha e canta e ri E é como um cravo ao sol a minha boca...

     Quando os olhos se me cerram de desejo...

     E os meus braços se estendem para ti...



     Florbela Espanca

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    Deixa dizer-te os lindos versos raros


     Que a minha boca tem pra te dizer!

     São talhados em mármore de Paros

     Cinzelados por mim pra te oferecer.

     Têm dolência de veludos caros,

     São como sedas pálidas a arder...

     Deixa dizer-te os lindos versos raros

     Que foram feitos pra te endoidecer!

     Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda...

     Que a boca da mulher é sempre linda

     Se dentro guarda um verso que não diz!

     Amo-te tanto! E nunca te beijei...

     E nesse beijo, Amor, que eu te não dei

     Guardo os versos mais lindos que te fiz!

     Florbela Espanca

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    Encostei-me a ti, sabendo que eras somente onda.

     

    Sabendo bem que eras nuvem, depus a minha vida em ti.

     

    Como sabia bem tudo isso, e dei-me ao teu destino, frágil,

     

    Fiquei sem poder chorar quando caí.

     

    Cecília Meireles

     

     


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  • Tu tens um medo:


    Acabar.


    Não vês que acabas todo o dia.


    Que morres no amor.


    Na tristeza.


    Na dúvida.


    No desejo.


    Que te renovas todo o dia.


    No amor.


    Na tristeza.


    Na dúvida.


    No desejo.


    Que és sempre outro.


    Que és sempre o mesmo.


    Que morrerás por idades imensas.


    Até não teres medo de morrer.



    E então serás eterno.

     

    Cecília Meireles


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    Tenho fases, como a lua


    Fases de andar escondida,


    fases de vir para a rua...


    Perdição da minha vida!


    Perdição da vida minha!


    Tenho fases de ser tua,


    tenho outras de ser sozinha.



    Fases que vão e vêm,


    no secreto calendário


    que um astrólogo arbitrário


    inventou para meu uso.



    E roda a melancolia


    seu interminável fuso!


    Não me encontro com ninguém


    (tenho fases como a lua...)


    No dia de alguém ser meu


    não é dia de eu ser sua...


    E, quando chega esse dia,


    o outro desapareceu...

     

    Cecília Meireles


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