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    Ora ( direis ) ouvir estrelas!


    Certo, perdeste o senso!


    E eu vos direi, no entanto


    Que, para ouví-las,


    muitas vezes desperto


    E abro as janelas, pálido de espanto



    E conversamos toda a noite,


    enquanto a Via-Láctea, como um pálio aberto,


    Cintila.


    E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,


    Inda as procuro pelo céu deserto.



    Direis agora: "Tresloucado amigo!


    Que conversas com elas?


    Que sentido tem o que dizem,


    quando estão contigo? "



    E eu vos direi:


    "Amai para entendê-las!


    Pois só quem ama pode ter ouvido


    Capaz de ouvir e e de entender estrelas

     

     

    Olavo Bilac


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  • assim, amor, é que eu gosto de ti,


    tal como te vestes


    e como arranjas


    os cabelos e como


    a tua boca sorri,


    ágil como a água


    da fonte sobre as pedras puras,


    é assim que te quero, amada,


    Ao pão não peço que me ensine,


    mas antes que não me falte


    em cada dia que passa.


    Da luz nada sei, nem donde


    vem nem para onde vai,


    apenas quero que a luz alumie,


    e também não peço à noite explicações,


    espero-a e envolve-me,


    e assim tu pão e luz


    e sombra és.


    Chegastes à minha vida


    com o que trazias,


    feita


    de luz e pão e sombra, eu te esperava,


    e é assim que preciso de ti,


    assim que te amo,


    e os que amanhã quiserem ouvir


    o que não lhes direi, que o leiam aqui


    e retrocedam hoje porque é cedo


    para tais argumentos.


    Amanhã dar-lhes-emos apenas


    uma folha da árvore do nosso amor, uma folha


    que há de cair sobre a terra


    como se a tivessem produzido os nosso lábios,


    como um beijo caído


    das nossas alturas invencíveis


    para mostrar o fogo e a ternura


    de um amor verdadeiro.

     

     

    Pablo Neruda )

     


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    Dormi contigo a noite inteira junto do mar, na ilha.


    Selvagem e doce eras entre o prazer e o sono,


    entre o fogo e a água.


    Talvez bem tarde nossos


    sonos se uniram na altura e no fundo,


    em cima como ramos que um mesmo vento move,


    embaixo como raízes vermelhas que se tocam.


    Talvez teu sono se separou do meu e pelo mar escuro


    me procurava como antes, quando nem existias,


    quando sem te enxergar naveguei a teu lado


    e teus olhos buscavam o que agora – pão,


    vinho, amor e cólera – te dou, cheias as mãos,


    porque tu és a taça que só esperava


    os dons da minha vida.


    Dormi junto contigo a noite inteira,


    enquanto a escura terra gira com vivos e com mortos,


    de repente desperto e no meio da sombra meu braço


    rodeava tua cintura.


    Nem a noite nem o sonho puderam separar-nos.


    Dormi contigo, amor, despertei, e tua boca


    saída de teu sono me deu o sabor da terra,


    de água-marinha, de algas, de tua íntima vida,


    e recebi teu beijo molhado pela aurora


    como se me chegasse do mar que nos rodeia.

     

     

     

    Pablo Neruda )


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    A nossa casa, Amor, a nossa casa!

     Onte está ela, Amor, que não a vejo?

     Na minha doida fantasia em brasa

     Costrói-a, num instante, o meu desejo!


     Onde está ela, Amor, a nossa casa,

     O bem que neste mundo mais invejo?

     O brando ninho aonde o nosso beijo

     Será mais puro e doce que uma asa?


     Sonho... que eu e tu, dois pobrezinhos,

     Andamos de mãos dadas, nos caminhos

     Duma terra de rosas, num jadim,


     Num país de ilusão que nunca vi...

     E que eu moro - tão bom! - dentro de ti

     E tu, ó meu Amor, dentro de mim...



     Florbela Espanca

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    Se me ponho a cismar em outras eras

     Em que ri e cantei, em que era querida,

     Parece-me que foi noutras esferas,

     Parece-me que foi numa outra vida...


     E a minha triste boca dolorida,

     Que dantes tinha o rir das primaveras,

     Esbate as linhas graves e severas

     E cai num abandono de esquecida!


     E fico, pensativa, olhando o vago...

     Toma a brandura plácida dum lago

     O meu rosto de monja de marfim...


     E as lágrimas que choro, branca e calma,

     Ninguém as vê brotar dentro da alma!

     Ninguém as vê cair dentro de mim!


     Florbela Espanca

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